sábado, março 24, 2007

Jornal o Diário (continuação)


Fumos sujos nos Fornos

O fumo das gigantescas chaminés da Companhia Portuguesa de fornos Eléctricos vê-se da Serra da Estrela nos dias em que a neblina natural não se mistura com esta névoa negra, constante suja assassina.
Quem, pela noite, observa na saída dos fornos o bailado das fagulhas pode achar belo o espectáculo de estrelas cadentes a que assiste. Mas a fuligem cobre de pó de carvão os pastos em redor de Canas de Senhorim, mancha as roupas que nas casas se estendem, estraga as pessoas, os animais e as casas. O negro de fumo das chaminés dos fornos é uma praga.

Os 800 trabalhadores da empresa são os mais castigados com a poluição desta fábrica de componentes químicos para adubos.
“Os regulamentos de higiene e segurança não são cumpridos minimamente nos fornos”, diz-nos António Ramos Loureiro, dirigente sindical dos Metalúrgicos de Viseu, trabalhador na empresa. Os operários metalúrgicos são 500 nos Fornos Eléctricos, constituindo mais de 40 por cento do total dos associados do Sindicato Metalúrgico de Viseu.
“ Em vez de nos darem um litro de leite, meio litro que fosse, para desintoxicação, instalaram uma máquina na empresa para os operários tirarem refrigerantes…”, acrescenta o dirigente sindical.
Entrevistámo-lo à porta da Companhia, passa pouco da meia-noite, hora final do turno de trabalho que António Loureiro cumpriu. O porteiro da empresa vê-nos a fotografar as chispas e diz: “dentro de algum tempo já não há nada desta porcaria a sair das chaminés: instalaram agora um sistema nos fornos novos para não deitar fumo…”Fica a informação por confirmar. “Diz-se” que o negro de fumo vai deixar de cair sobre o que é limpo em Canas de Senhorim.

O Seguro Morreu...

“Montaram filtros o forno 15 mas não resolveram o problema dos fornos 9, 10, 11, 12 e 14” diz António Loureiro que alerta para o facto de estar a ser montado um jardim-de-infância a 400 metros da empresa. “ As crianças vão estar sujeitas àquele ambiente. Hão-de ficar com muita saúde!...”.
Quem já não tem muita saúde são os operários dos Fornos. A agravar a falta de condições têm um bom refeitório na empresa que não funciona. “ A malta vem aviada de casa e sujeita-se a comer tudo frio, quando há uma boa sala por explorar.” O dirigente metalúrgico é de opinião que os patrões estão a caminhar para a redução progressiva do pessoal. O Contrato Colectivo de Trabalho é cumprido, mas todos os postos de trabalho que ficam desocupados, por invalidez, reforma ou emigração daqueles que trabalham na empresa, não correspondem a novas admissões.
“ Á falta de uma lei de despedimentos como aquela que os industriais pediram ao Balsemão no Porto, o patronato vai reduzindo os postos de trabalho nos Fornos sobrecarregando os trabalhadores que ainda se mantêm no activo”, diz Loureiro.
Esta sobrecarga aumenta o número de acidentes e o dirigente sindical é peremptório ao afirmar que “este trabalho é dos mais perigosos; corremos a todo o passo o risco de uma explosão e não há meio de fugirmos.
“A empresa – prossegue – criou umas varandas anti-fogo, mas hão-de servir de muito se houver um incêndio!...Já houve dois grandes acidentes aqui nos Fornos e só uma explosão ocorrida aqui há três anos houve um morto e um ferido. Este trabalha agora nos balneários por incapacidade”.
A companhia possui um seguro de trabalho que coloca sérios problemas aos trabalhadores e ao sindicato que os representa. António Loureiro explica:
“No sindicato temos agora um problema que é exemplar desta situação. Um trabalhador sofreu aqui há tempos um acidente de trabalho. Foi atropelado dentro destas instalações por uma viatura em manobras e ficou com um grau de incapacidade superior a setenta por cento. Estamos em tribunal com a seguradora porque aqui só nos dão um cartão da companhia que não tem valor em processos judiciais. Estamos a aconselhar os nossos associados a exigirem uma apólice, o único documento que o tribunal dá por bom”.


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Mineiros do urânio não são ouvidos


A Comissão de Trabalhadores das Minas da Urgeiriça mantém-se atenta ao evoluir da empresa Nacional de Urânio-EP e informações formais dessa situação não lhe faltam.
“O Conselho de Gerência da empresa não nos ouve nem responde às nossas perguntas. Se nos chama lá é para sermos ouvintes. O Conselho de Gerência é que manda.”
Manuel Fonseca, Orciano Pereira e Álvaro Marques, todos da CT das Minas, recebem-nos num contentor azul-escuro que serve de sede à comissão. Um termo-ventilador quebra o gelo.
“O principal problema nesta empresa é a falta de contactos entre a gerência e os trabalhadores” – afirmam.” Não participamos na gestão da empresa senão como ouvintes”.
Os outros problemas decorrem, segundo os trabalhadores da “falta de uma política de venda do urânio”. A empresa “ só vende aquilo que precisa para se manter e está a armazenar o resto da produção à espera dos preços melhores no mercado internacional”. Ainda assim, “esta medida de gestão é da iniciativa do Conselho de Gerência, porque a nível nacional não há ordens, não se sabe o que se vai fazer ao urânio que extraímos”.
Por informação do CG, os trabalhadores souberam em 1981 que se aguardava uma subida do preço do urânio em 1985. Dados mais recentes apontam só para os finais da década
Entretanto a empresa não pára, mas os trabalhadores que são reformados não são substituídos, embora na região da Urgeiriça se considerassem asseguradas, em Abril do ano passado, 2865 toneladas de Urânio. Este minério manteria a empresa em laboração, aos ritmos actuais, durante mais 24 anos.
As reservas nacionais serão, por outro lado, de 10 mil toneladas. Exploradas à média actual de 120 por ano, “ só daqui por 80 anos teríamos o urânio todo cá fora” dizem os membros da CT.
No entanto, os trabalhadores estão convencidos de que a extracção terá que ser feita muito rapidamente. “Nos próximos vinte anos”, dizem, “porque outras energias vão sendo descobertas e aproveitadas e o urânio que não se vender até ao ano 2000 fica com certeza para deitar fora”.
in Jornal o Diário, 28 de Janeiro de 1983





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