quinta-feira, abril 26, 2007

Jornal O Diário V (O Derby)

Em semana de derby lisboeta, aproveito para, através do Jornal o Diário deixar o relato de um dos muitos derbys realizados entre o GDR e o SLN. Espero, ao contrário deste, que no Domingo a vitória sorria às minhas cores.
O derby esteve para acabar à pancada

É o derby do ano, o Sporting-Benfica cá do sítio, o confronto dos dois grandes do concelho, jogo de futebol a contar para o distrital de Viseu. O glorioso Sport Lisboa e Nelas defronta no seu campo o garboso onze do Canas de Senhorim.


O Domingo, frio apesar do sol. Os ânimos, quentes apesar do frio. Um joguinho de futebol é óptimo para dar asas às raivas velhas e a rivalidade é enorme entre a freguesia canense e a sede de concelho nelense.
Tudo começa quando o árbitro, de luto carregado, invade o rectângulo, sobraçando uma bola branca. Uma assembleia preventiva emana das duas claques que enchem a quilo que deveria ser a bancada central do estádio, mas é apenas uma encosta falta de assentos.
A seguir vem a equipa da casa. Há palmas e gritos de «bóra Nelas» e berros de «uh-uh». A facção canense é menos numerosa, não tem tantas hipóteses de saudar a entrada em campo do Canas. O berreiro desaustinado que acompanha a entrada do visitante na arena é quase todo da gente de Nelas.
Vai o jogo começar, arrumam-se os guarda-redes nas respectivas balizas e Juveniano é o homem do Canas. Leonildo alinha por Nelas embora more em casa do adversário. Está mais nervoso do que o outro porque não quer ser apelidado de vendido. Só o será no último minuto do jogo.
O público agita-se e há um ou outro adepto de ambos os conjuntos que derrapa bancada abaixo com o entusiasmo. Há vaias e gargalhadas sempre que isso acontece e o atingido blasfema invariavelmente.
O homem de negro trajando dá início à partida e a GNR coloca-se em locais escolhidos. Desde o princípio da semana que anda tudo a dizer nas duas vilas: «o joguinho vai acabar mal…». Ai do Canas se ganha, ai do árbitro se arbitra, ai do Nelas se ganha ou perde, ai, ai, ai.


Começa o jogo

O Repórter não viu quem saiu com a bola. Estava a guardar o bilhete de cem paus que pagou para assistir ao dérbi. «Não há borlas para ninguém», dissera o porteiro. «Isto é o Nelas-Canas, não é o Maria Cachucha!». O despique não é para aquecer.
A bola gira e já há nelenses e canenses pelo chão e um cartão amarelo para um jogador que deixou outro a rebolar numa amálgama de ossos retorcidos e calcinados, como se costuma dizer dos incêndios maiores.
A claque de Canas chama ao juiz tudo o que lhe vem à cabeça menos «bom rapaz e amigo». Era penálti, está visto; mesmo atendendo a que a cena se passou cerca do meio-campo, era penálti.
Estamos com 19 minutos decorridos da primeira parte e o repórter evita saltar de alegria quando Lima, o 9 do Nelas, marca um valente golo por meio de um potente remate. Não é que o repórter torça pela equipa da casa: gosta é de golos, mais a mais aqui, em pleno coração da região demarcada do Dão. Mas Lima estava fora de jogo. O árbitro é então aplaudido («ah! Grandárbitro»!) pelos de Canas e vaiado («vaitembora!») pelos de Nelas. O trio de arbitragem está comprado e, se não engole o apito e as bandeirinhas, ainda acaba num amálgama de juízes retorcidos e calcinados.


1-0

A coisa segue, mais ou menos, com o Canas a contra-atacar o Nelas e vice-versa, no meio de quedas várias e pontapés para o ar. Os canenses desperdiçam uma grande oportunidade aos 25 minutos porque o nº 11, Velhote não concretiza, «o desgraçado». Uns fartam-se de rir, no peão; outros prometem fins variados ao Velhote fins variados, todos desagradáveis.
Eis senão quando, estava o repórter a tomar nota de alguns insultos para dar cor ao relato do jogo, vai Moitas, o 6 do Nelas e percorre uns metros com perfeito controlo do esférico. Vai na ganga, o rapaz. A respiração fica suspensa na assistência, aos 30 minutos de jogo. Moitas escapa-se pelo lado direito do seu ataque, centra para Fernando o 7, colocado no interior da área Canense. O médio nelense não perde tempo e dando sequência ao lance urdido mais ou menos em diagonal, endossa o esférico para o pé esquerdo do artilheiro Freitas, o 8, que fica isolado, dribla o guardião Juveniano e deita o estádio abaixo com palmas da claque caseira urro da facção visitante.
É o um-zero que se manterá até ao intervalo, tempo de guerrilha. Do lado de Canas diz-se que «se isto continua assim, há mortos». Da banda de Nelas comenta que a equipa da casa podia estar a ganhar por uns vinte, tais foram os «períodos de maior assédio às redes do Canas». O repórter sorri para todos os comentadores, não vá o diabo tecê-las. Nisso é como o árbitro. Que empatem os melhores….


Segunda Parte

Na segunda parte fazem-se todas as substituições autorizadas para cada lado e apupa-se demoradamente o juiz do encontro. Este partilha generosamente os piropos e insultos e insultos com dois companheiros juízes de linha. Nota saliente desta segunda parte: as equipas trocaram de campo, sinal de que, apesar da grande rivalidade, até nem se dão muito mal.
Aos 56 minutos entra para o «team» de Canas o nº15, Pedro. Da claque de Nelas há logo quem berre: «olha a arma secreta do Vizela!».
Isto, com humor, vai, pensa o Nelas e logo se rasteira alegremente o capitão canense, Quim. Mas voltemos ao princípio do segundo tempo do despique.
Para abrir ataca o Nelas. O Canas responde a atrasar. O Nelas coloca Lima defronte da baliza adversária e este falha com estrondo. A claque do Canas ri a bandeirinhas despregadas. O juiz de linha assinala canto. Gargalhadas nelenses troam. O Nelas não aproveita e o Canas atira um livre sobre a trave.
O Canas ataca mais e perde um golo aos 62 minutos. Vai o 15 do Nelas, fica aborrecido e obriga o árbitro a mostrar-lhe um amarelo aos 72minutos. Para se vingar do árbitro, que se mostrara nitidamente favorável ao Canas, Lima marca o 2-0 aos 76 minutos.
Dá-nos ideia de que a claque do Canas já não está tão esfuziante neste momento. Os de Nelas fartam-se de gozar. A pancadaria está iminente, mas é evitada com uma série de ataques canenses. O árbitro também serve para desanuviar. É vituperado por ambas as facções, por desfastio, sempre que assinala qualquer penalidade.
O jogo acelera que o visitante não é para brincadeiras e está mesmo empenhado em desfeitear o guarda-redes nelense. Rebolam jogadores da casa pelo chão de terra, há ali um rapaz que já tem sangue nos calções. O Tó-Zé tem um joelho todo deitado abaixo e o árbitro gasta o apito para se fazer ouvir acima da algazarra. Chovem sobre ele promessas negras de forcas, linchamentos e cargas de pancada.
Deve ser só conversa, mas, pelo sim, pelo não, a GNR coloca-se à saída do campo apesar de ainda faltarem cinco minutos para o final do confronto.
O repórter consulta o cronómetro de «o diário», quando João Carlos do Canas, sabe-se lá como, surge isolado defronte da baliza do Nelas e,pimba!, marca o tento de honra.
O árbitro apita logo para acabar o prélio e sai para o duche, sem grandes pressas que os guardas lá estão para o salvar de 800 irados adeptos do futebol nelense. De Canas se diz que estava comprado por Nelas. Por Nelas se diz que Canas o comprou.
Por nós, dizemos que foi um bom árbitro. Evitou o pior. Este jogo esteve mesmo para acabar mal.



in Jornal O Diário , 28 de Janeiro de 1983

2 comentários:

PortugaSuave disse...

Este artigo é uma verdadeira pérola... pena que o resultado não tenha sido favorável.

Mr Kunami disse...

De facto o artigo peca pelo resultado, mas a culpa foi dos jornalistas... vieram em dia não.